Passagens

Acordei tarde, novamente
Tomei o café de modo desleixado
Saí correndo, atordoado
Guiado pelo perfume entorpecente

A emoção dessa juventude
Em que fecho os olhos mas ainda vejo minha amada
Em que parece que é apenas o início da jornada
Em que sorrir e aprender de tudo são as virtudes

Então, eu acordo cedo, mas já atrasado
E sequer tomo o desjejum
Me obrigam a ouvir o que não quero, num trem lotado
Na miríade do proletariado, mais um

E dois dias por mês, me acerto
Nos demais dias, sobrevivo
Quem eu queria nem sempre está perto
Remédios, telefones, aditivos

E agora eu acordo nas horas marcadas
Para tomar as pílulas receitadas
Que me mantém com a mente sã
Sem precisar de qualquer divã

Apenas sento e respiro fundo
Já vi demais desse doente mundo
Ninguém está perto de verdade
Mas sempre há uma alma para fazer caridade

E este sou eu, peito cheio
De corpo, dois decênios e meio
De coração, dezesseis
De mente, setenta e três

Perdendo o sono e a hora
Misturando o passado e o agora
E congelando o tempo
No transcrever do pensamento.